sábado, 22 de agosto de 2015

Juízes, Advogados e Carrascos


O Ser Humano vem ao mundo como um Ser genuíno, verdadeiro na sua essência, nas suas necessidades e desejos. Está programado biologicamente para o sucesso, para a sobrevivência, para a vida. Come, chora, grita e sente uma necessidade "básica" de ser profundamente amado. A sua inteligência biológica sabe que a sua sobrevivência está dependente de ser desejado, aceite e, consequentemente, protegido e cuidado pelos seus progenitores. Sabe também, à partida, que vai ter que fazer algumas concessões, ainda que isso possa ter custos muito elevados. 

Vem também dotado de um potente e extremamente complexo aparelho psíquico, que o distingue dos outros animais e determina a sua existência psicológica (muito para além da sua existência física). É também esse aparelho que assegura, simultâneamente, a função de sobrevivência, e a condenação ou a absolvição, numa vida de julgamento permanente. 

Desde logo, os olhos do bebé confundem-se com os olhos da sua mãe (até acredita, inicialmente, que ele e ela são um só). Mas se os seus olhos são puros, os da mãe dificilmente o serão. Esta mãe, carrega em si mesma o amor (ou a falta dele) que um dia viveu como filha, os fantasmas, os medos, as expectativas e todas as verdades, meias verdades e mentiras que assumiu para si mesma ao longo de vários anos de vida. E é com estes olhos, por vezes já muito sofridos, entristecidos, outras vezes esperançosos e cheios de amor, que as primeiras verdades do bebé se encontram. E é aqui que, o seu aparelho psíquico, começa a construir o seu sistema judicial interior. Começa a recrutar os seus juízes, advogados, imprime em si mesmo as (suas) primeiras "Leis da Vida". 

De onde vêm estas Leis? Como é construído o seu código? Até que ponto representa genuinamente a sua verdade? Até que ponto está em sintonia com a sua "Constituição"? Podemos até acreditar, ou tentar fazer parecer, que este tribunal serve para avaliar os outros - o que fazem, o que são, o que merecem de nós. Mas, na realidade, existe um, e um só, réu permanente, e é o próprio. Quanto mais duro o tribunal, maiores serão as nossas penas. Mais tempo viveremos condenados e aprisionados em nós mesmos. Longe, muito longe (pensamos nós) da pureza, do impulso criador e do desejo de um amor que cuida, protege e nutre, com que chegámos a esta vida.

Originalmente publicado no Jornal de "Notícias de Cá e de Lá", nº 33.

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