quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Obrigar ou não o meu filho a partilhar?!

Faço aqui uma reflexão, a propósito de um texto que foi escrito por uma mãe, que afirma não obrigar o seu filho pequeno a partilhar, seja em que circunstância for (nem mesmo nas situações em que o bem é "público", como um escorrega ou baloiço num parque). Isto porque, aparentemente, esta mãe sente-se no dever de ensinar as outras crianças a esperar e a perceber que não podem te os objectos sempre que querem e como querem. Por outro lado, a autora alega que um adulto nunca seria obrigado a partilhar o seu telemóvel com alguém que desconhece e, como tal, não devemos obrigar uma criança a emprestar o que lhe pertence a não ser que ela assim o entenda.

Antes de mais, quando estou perante um desafio na educação da minha filha, a única coisa que tenho em conta é a aprendizagem e a importância que aquele momento pode ter para ela. Não me compete a mim estar a pensar no quanto as outras crianças ficam mimadas ou deixam de ficar, se a minha filha lhes emprestar as suas coisas. Isso é, e deverá ser, responsabilidade das suas famílias. Ainda assim, acredito que esta discussão é muito interessante. Os tempos estão a mudar e são muitos os pais que pensam sobre estas coisas. Não queremos continuar a fazer como se fazia no tempo dos nossos avós ou pais, no entanto, não temos ainda interiorizado um novo modelo e, aí, ficamos confusos e por vezes acabamos por cair num dos extremos.

Ainda assim, a minha opinião difere da desta autora, em duas dimensões que penso serem muito importantes. Primeiro, uma criança não é um adulto e como tal, deve ser vista pelas características que a sua condição de criança lhe dá. Encarar a criança como um adulto em ponto pequeno é voltar muitos séculos atrás na forma como a infância é encarada. É fácil perceber estas diferenças. Para isso, basta pensarmos que se eu for a um café, não começo imediatamente a falar e/ou a interagir com as pessoas que estão à minha volta. E, salvo algo que saia da normalidade, os adultos não vêem os "estranhos" na rua como potenciais amigos (não estou a avaliar se isso é bom ou mau). Já os nossos filhos, se virem outra criança, ficam normalmente curiosos e com vontade de interagir. Mais timidamente ou menos timidamente, uma outra criança, para si, é sempre um potencial de "brincadeira". É por essa razão que, desejar partilhar ou não os brinquedos,  ganha uma enorme relevância. A forma como vai resolver a situação que está a viver, vai influenciar a forma como aprende a relacionar-se com os pares. Para mim, coloca-se aqui então outra questão. Não cabe aos pais ajudar a criança na vivência dos vários desafios que se lhe são colocados nestes primeiros anos da vida? 

E o que é ajudar? Para muitos pais, ajudar é decidir no lugar da criança e, determinar o comportamento adequado. Para outros, será deixar que a criança passe pelo processo sozinha e não intervêm independentemente da escolha que faça. Outros, ajudarão a criança a pensar sobre o(s) significado(s) do momento e sobre as escolhas que pode fazer (com as suas respectivas vantagens e consequências). 

Por exemplo, a minha filha está no parque a brincar com a sua boneca e outra menina aproxima-se e tenta mexer nessa mesma boneca. A reacção imediata, considerando o seu temperamento e os seus dois anos, é afastar a boneca e dizer "não mexe, é minha". Perante esta situação, o que faria eu? Primeiro explicava à menina que se aproximou: "sabes, a boneca é dela e ela gosta mesmo muito desta boneca. Por isso é difícil para ela emprestá-la". Desta forma, estou também a dizer à minha filha que não condeno a reacção dela e até a compreendo. Isso ajuda a que não fique tão defensiva e a pensar que alguém lhe vai tirar a boneca da mão sem que ela o queira. Mas não me fico por aqui, pois cabe a mim também mostrar-lhe porque é que emprestar a boneca poderia ser interessante. É por essa razão que lhe diria algo do género "gostavas de brincar com a menina?" e se ela me respondesse que sim, responder-lhe-ia "para poderem brincar juntas e divertirem-se as duas é importante que a menina também possa brincar com as tuas coisas". A reacção de partilha pode até não ser imediata (normalmente a A. escolhe emprestar um brinquedo que não seja tão especial). Mas a verdade é que ajudo-a a pensar sobre a situação e a ver que o que é dela, continuará a sê-lo, mesmo que o empreste por uns momentos. E que, por outro lado, emprestar permite que não esteja a brincar sozinha, poderá divertir-se mais e ainda fazer uma "nova amiga". Se a resposta for um belo e redondo "não, quero brincar sozinha" (o que às vezes acontece), então não obrigo. Limito-me a dizer à outra criança que naquele dia ela está com vontade de brincar sozinha e que talvez noutro dia seja diferente. E pronto, respeito.

Obrigo a partilhar? Não. Não quando o objecto é propriedade dela. Se o fizesse, estaria a dizer-lhe que o que é dela num momento pode deixar de o ser noutro. Se eu decido no lugar dela, então estou a agir como se o uso do brinquedo ou do objecto em causa, fosse um direito meu ou da outra criança. Assim estaria a confirmar-lhe os seus receios. 

A segunda questão, é que considero diferente (e acho importante que a minha filha aprenda a fazê-lo também), o que é propriedade da minha filha e o que é público. Porque neste último caso, para mim, a conversa fica muito diferente. Acho que é fundamental ensinar uma criança que há objectos que são dela e objectos que são de todos os meninos que estão ali (que é o caso dos parques, creche, etc.). Se quer estar sentada no cimo ou na ponta do escorrega, impedindo outros meninos de o utilizarem, então explico que tem que sair e dar passagem. Se estiver num carrinho durante muito tempo, estando outra criança à espera, explico que poderá andar mais um bocadinho mas que já está uma criança à espera e que, como tal, seria interessante pensar em experimentar outros brinquedos. Quando possível, pode-se sugerir que ela própria defina um certo número de voltas no carro ou de elevações no baloiço, antes de o passar para outra criança. Se no final se recusar a sair, explico que tem mesmo que ser, explico porquê (se todos os meninos ficassem muito tempo nos brinquedos, então ela também não teria conseguido usá-lo) e tiro-a, tentando ser firme mas sem ser brusca (é normal que seja difícil para uma criança acabar com um momento que lhe está a dar prazer).

Partilhar é bom porque é também uma forma de entrar em relação com o outro e aprender a respeitar a sua presença. É sem dúvida uma aprendizagem importante para os nossos filhos, temos é que saber também nos, respeitá-los nesse processo. Apenas isso.

Um abraço daqui deste lado,
Ana Guilhas
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Poderão ler o texto original aqui.
Existe uma versão portuguesa aqui.

2 comentários:

  1. Eu tenho uma filha com 13 anos e ela tem a "mania"...de emprestar roupa, calçado malas, etc mesmo antes de estrear, mesmo sabendo que nós como pais reprovamos esse comportamento. Mesmo depois de nos prometer que não volta a emprestar, continua a fazê-lo.
    Será que esse comportamento e passageiro ou teremos que procurar ajuda nedica?

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    1. Olá, é difícil dar uma resposta sem conhecer algumas informações necessárias a uma análise mais cuidada. No entanto, acho que a questão central será, porquê?! Porque é que para a sua filha é tão importante emprestar as suas coisas, aparentemente sem critério, às amigas? Porque é que para os pais esses empréstimos são vistos como problemáticos? Na adolescência, os amigos ganham particular relevância e isso é normal. Mas não haverá aqui uma necessidade excessiva de agradar o outro? Se sim, porquê? Haverá dificuldade em dizer não ao que lhe pedem? A sua filha parece encontrar-se numa situação de fazer o que os pais querem vs fazer o que os amigos querem. E o que é que ela quer? O que é que e bom e saudável para ela? Será que ela se sabe posicionar perante as suas próprias necessidades?
      Se existem dúvidas quanto ao seu bem estar, o meu conselho será que procurem um psicólogo para avaliar a situação. Se estiver tudo bem, tanto melhor. Se não for o caso, então quanto mais depressa se perceber a situação, melhor. Espero ter ajudado.
      Abraço, Ana Guilhas

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